domingo, 14 de agosto de 2016

E haja kshanti...

As primeiras vezes que eu tentei meditar cheguei apenas naquele estado de leve sonolência que o Paul McCartney uma vez descreveu em uma entrevista. Acho que na verdade o Paul não conseguia meditar porque estava doidão de LSD, e das primeiras vezes acho que não consegui porque eu estava doidaço de maconha. Com o tempo aprendi a fazer a coisa direito e fui aos poucos passando mais tempo em transe, mas eu nunca tinha imaginado que poderia passar meses sem parar de meditar nem por água, nem comida, meses sem número um ou número dois.

Eu saí fugido do Rio de Janeiro e fui me esconder em um retiro de meditação. No começo eu era um alien ou todos eram aliens ali, mas pelo menos eu estava seguro como prometeu o Capitão Ferro enquanto deixávamos o Copacabana Palace pela saída lateral. À primeira vista era muito estranho o modus vivendis dos budistas mineiros e a ideia de que saindo dali eu trocaria para o meu modus morrendis é que me deu um empurrãozinho para a interação com meus novos vizinhos.

Rasparam minha cabeça quando eu deixei a cannabis sativa um pouco de lado e aprendi a meditar e também me ensinaram as Seis Paramitas, que são:
  1. Generosidade (Dana);
  2. Moralidade (Shila);
  3. Paciência (Kshanti);
  4. Diligência (Virya);
  5. Concentração (Samadhi);
  6. Sabedoria (Prajña).
Não fiz amigos. Na verdade não sabia se não queriam ser amigos de alguém protegido pelo programa de proteção a testemunhas ou se eles tinham outro conceito de amizade. Agora eu posso dizer que mesmo sem algum amigo a la ocidente eu me sentia muito bem amado por todos, algo quase cristão, não digo que era um amor cristão porque os cristãos se odeiam, mas era como os cristãos deveriam se amar, definitivamente. Uma sensação quentinha de paz comum e fraternidade. Quem dera também tivéssemos uma bancada budista ali entre a dos demônios e a dos ruralistas.

Enfim houve um dia que eu comecei a meditar e não parei mais. Como eu disse, nem minha vontade de colocar coisas pra dentro e coisas pra fora impediram que eu seguisse na mais absoluta paz interior, alheio ao sol, às chuvas e aos ventos naquele vilarejo entre lindíssimas e imaculadas cachoeiras em Carrancas. O tempo passou, fiquei meditando em outra atmosfera por precisamente 156 dias. Sim, bati Cristo e Ele não virou a outra face. Não que eu tenha visto.

O fato é que eu despertei do meu transe e durante uma longa tarde no banheiro li as manchetes de um jornal velho que usavam para prender a porta do banheiro aberta enquanto não estava sendo usado. Arejar um banheiro de budistas é importante, eles não fazem as necessidades em intervalos regulares, sabe?

A primeira manchete falava da Presidente da República e era um pouco esquisita, mas como se tratava do Jornal O Globo, relevei a parte que dizia "Dilmanta já era de vez". Á esquerda, algumas notas sobre beijos gays nas Olimpíadas Rio 2016. Tudo bem, eu fiquei meditando bastante tempo, já estão rolando os Jogos Olímpicos. À direita, uma charge mostrava um brasileiro chorando com os preços de uma vitrine em Nova Iorque. Tudo bem, o dólar já andava alto quando eu ainda tinha cabelos. Parecia mesmo tudo bem, tudo normal admitindo o padrão O Globo de realidade. Tudo muito bem até eu virar o jornal para ler a continuação da primeira página.

Acontece que abaixo da dobra havia a foto de um bandido com a legenda "Presidente Santo Temer empossa 40 anjos". Mas espera aí, esse cara não é santo, muito pelo contrário... e esses outros não são anjos, são ladrões fichados... opa, calma, respira... segura o cocô... esse cara não era presidente antes do meu intestino entrar em transe! Chegava a hora de exercitar a minha santa paciência paramita. E haja kshanti...


sábado, 13 de fevereiro de 2016

Cor de burro quando foge

Saímos do Copacabana Palace, os quatro no carrão do Sr. Vega. À frente, o próprio Túlio Vega, investigador da Polícia Federal e o veterinário das estrelas Dr. Polita no banco do carona. Atrás, o Capitão Ferro, eu e a Rita, que miava impaciente de dentro de uma caixa de papelão furada nas laterais. Na mala, a minha mala.

Eles também corriam perigo por seu envolvimento comigo. Todavia, somente eu estava sendo levado para um esconderijo isolado. Vega estacionou mal parado em frente a uma casa comercial velha e mal cuidada no Humaitá.

Eu deveria entrar e dirigir a palavra ao atendente na recepção. Fazer uma pergunta objetiva, "E a gota?". Ele deveria responder que foi ao médico e que não foi atendido, mas que não está nada bem. Eu deveria dizer "Nem U.P.A. 24H?" e ouvi-lo negar e completar dizendo que "A Dilma que se foda!".

Eu tentaria uma sugestão, "Já tentou o Hospital Estadual Pedro II?", e ainda ouviria "O Pedro II e o Pezão que se comam e se explodam cu a dentro!". Aí sim eu seria conduzido a um Chevette de placa fria e costas quentes. Depois, serra. Minas. Um retiro de meditação na cidade de Carrancas, trezentos quilômetros ao sul de B.H. Não sabia como arranjaria trabalho estando isolado no mato com neo-budistas mas, se tem uma coisa que me compra, essa coisa se chama Despesas Pagas.

A casa comercial que eu observava da calçada parecia lotada. Parecia dia de festa. Na fachada, li:

"CASA DE XANGÔ
BABALORIXÁ MARIA DE XANGÔ
& FILHOS DE SÃO JUDAS"

Não era festa, mas tinha música e alegria. Fiquei curioso, nunca entrara num terreiroaSubiEntreiontreioo degraus e meio e toquei a campainha. Ninguém ouviria. Testei a porta e ela abriu.

Enfiei o resto do McFish goela a dentro. Desci os quatro degraus e meio, peguei minhas coisas. Me despedi das únicas três pessoas em que eu podia confiar. Ninguém respondeu. Subi novamente os degraus. Entrei.

O barulho ficava cada vez mais alto casa a dentro, mas não cheguei a ver ninguém. Subi as escadas para o segundo andar seguindo um rapaz surdo, mudo e cego. Um cômodo apenas, uma escrivaninha escolar no canto. Uma portinha e um banheiro. Um rádio/toca-fitas sobre o tampo da escrivaninha. Gambiarras na tomada. O ruído escruciante de uma caixa de som estourada no último volume. Uma fita reproduzia o som característico de um terreiro em noite de sessão aberta.

O menino surdo, mudo e cego desceu novamente as escadas. Saiu deslizando uma das mãos pela parede e coçando com o outro pulso a cicatriz no lugar dos olhos. Do banheiro, sai um vidente.

Ouvinte, falante e vidente. Ele para na minha frente. Estanque. Mau. Mede com o olhar a minha cara, o meu terno sob medida, a minha mala de ginástica e a minha caixa de papelão furada nas laterais. Olhos no útero dos meus olhos. Silêncio. Tirando o esporro religioso que tremia nos alto-falantes.

Achei que deveria dirigir minha palavra a ele. Tive que gritar pra me ouvir. E me fazer ouvir. E me esforçar para ouvi-lo, ainda que o falante também gritasse.

— COMO É QUE TÁ, TUDO BEM COM O SENHOR?

— TUDO BEM, E COM O SENHOR?

— TUDO ÓTIMO, E A FAMÍLIA?

— VAI BEM, OBRIGADO!

— POR NADA! E VOCÊ?

— EU O QUÊ?

— A FAMÍLIA.

— QUÊ QUE TEM?

— VAI BEM?

— A FAMÍLIA?

— É!

— VAI BEM.

— OBRIGADO.

— OBRIGADO.

— NÃO TEM DE QUÊ.

— IMAGINA. E A GOTA?

— FUI AO MÉDICO MAS NÃO TINHA ATENDIMENTO. NÃO ESTÁ NADA BEM.

— NEM A U.P.A 24H?

— A DILMA QUE SE FODA!

— JÁ TENTOU O HOSPITAL ESTADUAL PEDRO II?

— O PEDRO II E O PEZÃO QUE SE COMAM E SE EXPLODAM CU A DENTRO!

Desci pelos fundos levando a Rita. Ele me ajudou com a bagagem. Falei alguma bobagem. Ele não ouviu. Entramos no Chevette cor de burro quando foge, a Rita e eu. Viramos à direita seguindo o fluxo. Abri a caixa de papelão e deixei a Rita fazer as suas unhas no estofado do carona. Sumimos no Rebouças.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Colônia de pulgas

Não sei como fui parar na suíte do Doutor Simas Polita. Pediatra rico e frustrado, encontrou mais realização e dinheiro na veterinária. Concluiu sua formação em Oxford e hoje é conhecido como o veterinário das estrelas em Miami. Casou-se com uma lindíssima e infiel jovem ex-BBB mexicana, Jimena Longoria.

O Dr. Polita contratou meus serviços ainda na minha primeira semana no Copacabana Palace. Aceitei um gatinho preto ainda filhote como pagamento. Uma gatinha. Ele não podia levantar suspeitas movimentando a conta conjunta. Tudo bem. Eu não tinha muito o que fazer até a quarta-feira de cinzas. E a gatinha preta gostou de mim. Dei o nome de Rita.

Estava na cola da Jimena cem por cento do tempo, enquanto ela não deixasse o hotel, claro. Talvez por isso o doutor tenha me acolhido depois do desmaio. Retribuiu a minha dedicação ao caso dele, um cliente quase pró-bono pra mim, e ao mesmo tempo um caso de grande importância para a colônia de pulgas prosperando atrás de suas orelhas quentes. O Polita praticamente salvara a minha vida e eu me senti quase bem, mas ainda não sabia como fora parar ali.

Lembrei de acender a pontinha de um baseado na noite anterior, do vulto atrás de mim no reflexo da TV. O tiro sufocado pelo barulho ensurdecedor do panelaço do Copa. Lembrei também dos olhos injetados do atirador esperando eu terminar de fingir a minha morte e do sangue encharcando a ombreira do meu Caraceni vermelho.

Agora nu, e zonzo, acordava sem sentir o braço esquerdo. Chamei pelo doutor e nada. Jimena também. Nada. Falei mais alto e decidi fechar a boca antes de terminar a frase. Certamente, se os interessados soubessem da minha sobrevida, eu já estaria sob a terra.

Recobrei a consciência devagar e, deitado ali no quarto vazio, percebi três coisas. Um ferimento suturado no ombro. As janelas, cortinas e portas, tudo fechado. Um barulho vivo vindo de baixo da cama. O som de uma pessoa se mexendo no carpete.

Reconheci o ruído de alguém se coçando impaciente. De repente, um susto. Desenhando a manobra com perfeição acrobática, pousou nas minhas pernas uma linda gatinha preta. Rita.

A pretinha se coçava bastante e, com medo de eventuais coceiras em mim mesmo, tomei a liberdade de chutar gentilmente seu traseiro felino de volta pro carpete felpudo. Ela reclamou um miau baixinho e voltou pra baixo da cama do Polita, onde eu gozava o meu repouso pós-tentativa-de-homicídio.

A porta dupla da ante-sala — ou seria ante-quarto? Mistérios do Copa... — abriu. Avistei três homens. Entraram um a um, sentando-se nas poltronas centenárias que circundavam a cama. A Rita não gostou de alguma coisa e tentou fugir.

Foi interceptada pelo primeiro a entrar no quarto, o Doutor Simas Polita, meu salvador. Ele se sentou  ao meu lado e foi seguido pelo Capitão de Fragata Luiz Felipe Ferro. O terceiro a entrar foi o primeiro dos três a conhecer a minha história e o meu charme, o Investigador da PF Túlio Vega.

Ele parecia me conhecer bem, ainda que tivéssemos trocado poucas palavras depois de protocolada a Operação Panamá. Trouxe uma sacola de papel pardo onde se lia uma letra "M" de Morte... ou de McDonald's.


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Copa das panelas

Liguei a tv voltando da piscina do Copa. Só de toalha. Deixei-a cair. O meu guarda-costas, Mick Jackson, não curte cavalheiros como eu, só damas. Deixou o recinto como eu previra. Me senti um bom jogador de xadrês. Ainda que eu não saiba os movimentos.  E as peças. Só sei o que é roque.

Aumentei o volume e ouvi o que falava William Bonner com voz de televisão:

"Boa noite. Manifestações são esperadas durante o pronunciamento da Presidente da República Dilma Rousseff, no primeiro intervalo comercial desta edição do Jornal Nacional.
A Presidente Dilma deve abordar a histórica e sem precedentes crise orçamentária da União, claramente causada pelo Bolsa Família e pela corrupção na Copa do Mundo da Fifa no Brasil neste ano, da qual a Globo não fez, não faz e não fará parte, que corroe não só o seu governo, mas também o apoio do PMDB, um dos últimos partidos políticos honrados do país.
No Twitter, os meus seguidores estão combinando o que pode ser considerado o maior panelaço da história da dramaturgia jornalística brasileira. Hashtag beijo do Tio.
Veja após os comerciais, a mais nova invenção da indústria automobilística americana, um pioneiro carro sustentável. Você vai conhecer o Boo Car, o simpático carro movido a medo que promete revolucionar o transporte e a qualidade de vida no planeta."

Ouvi algumas pessoas dizerem que algumas pessoas em algumas ruas do país ouviram somente algumas pessoas aderindo ao maior panelaço da história. Poucas panelas. Não aqui.

No ano da Copa, o Copa estava cheio de brasileiros. Muitos abastados. Alguns auto-exilados em Miami. A maioria dantesca de playboys e reaças não assistem a jornal nenhum, mas seguem o Tio no Twitter.

Como com qualquer hóspede, o hotel atendeu às excentricidades sem questionar. Claro que era raro tantos pedidos iguais na mesma tarde. O serviço de quarto do Copacabana Palace entregou pares de panelas em dezenas de suítes em algumas horas.

O primeiro intervalo comercial daquela edição do Jornal Nacional começou. Uma vinheta do Governo Federal anunciava um pronunciamento. Antes mesmo do rosto gasto da Presidente da República aparecer ali, na telinha dos vampiros, teve início um protesto coletivo dos hóspedes. Algo sem precedentes no Palace.

O protesto mais elitista do Brasil. Manifestantes privilegiados. Panelas ricas. Vesti meu terno vermelho.

Sob a trovoada retumbante do panelaço revoltado, não deu pra ouvir o tiro que matou o meu guarda-costas. Nem os tiros que mataram os outros agentes da Operação Panamá.

Ajeitei o chapéu. Acendi uma pontinha me olhando no reflexo da televisão desligada. Eu tinha desistido de tentar ouvir o pronunciamento sufocado da Dilma. No reflexo, atrás de mim, uma silhueta desenhada na meia-luz.

Me virei, vi o revólver, ouvi o tiro, senti a bala. No ombro esquerdo. Não deu pra ver o sangue inundando o terno vermelho. Não deu pra ver o rosto do matador atrás da máscara de meia calça, só o sangue nos olhos.

Lembrei das aranhas que já persegui na parede do lavabo no Catete. Caí no chão. Simulei a minha morte. Perdi de vista o meu quase assassino pela porta da ante-sala, ou ante-quarto. Perdi uma bela dose do meu sangue bom, ou ruim. Dormi.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Crime na casa de máquinas

Mais visitas dos investigadores da PF, mais detectores de mentira, mais jornalistas no saguão do hotel. Os desdobramentos do caso Roberto Carlos ajudaram a levantar mais um pouquinho a minha popularidade.

Aumentaram também a guarnição da minha segurança e tiveram que me mudar pra suíte presidencial. Um guarda-costas passou a morar na ala leste do meu novo e luxuoso quarto.

É impossível fumar maconha com um guarda-costas da Polícia Federal na sua cola. Eu precisava dançar conforme a música. Já no primeiro dia da nova estadia, comecei a improvisar.

Hoje estou aqui na casa de máquinas... torrando um boldo com o Pablo da recepção enquanto a guerra às drogas continua brincando de pique-esconde com a paz.


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

O colar de rubis vermelhos cubanos

Quem diria. Eu nunca tinha ponderado a quantidade preponderante de poderosos que traem no Copacabana Palace. O Capitão de Fragata Luiz Felipe Ferro conseguiu acesso à minha suíte devido ao seu bom relacionamento com o os agentes no comando da Operação Panamá.

Batizada com uma referência ao chapéu que praticamente já não saía mais da minha cabeça, a operação conferiu uns quilinhos a mais pro meu ego. E quem diria.

Em menos de uma semana, engordaria também o cofrinho guardado no closet da colossal suíte em que eu gozava a mais produtiva clausura desde os tempos de lavabo. Também ganhei uns quilinhos.

O terno vermelho foi rapidamente ficando mais apertado enquanto eu comia todos os croissants e pastéis de belém que cruzavam o meu caminho. Estadia e comida de graça. No Copa.

O meu terno parou de fechar, os botões não se viam mais, separados por uma barriga de Coca-Cola e croissant. Lados opostos da moeda. As mangas já surradas começaram a apertar como nunca no sovaco. Precisava de um terno novo. Dois. Vermelhos.

Comprei, com o dinheiro que restava do caso do Roberto Carlos, dois ternos à altura do Palace. Um pra vestir na hora e outro sob medida. Um chapéu Borsalino, um clássico Fedora branco com fita de gorgurão preta.

Gastei todo o meu dinheiro naqueles pedaços de falsos status de pano, mas a comida era de graça... e em todo caso eu não podia deixar o hotel mesmo. E precisava de um ajuste no visual. Ainda queria faturar em cima dos quinze segundos de sensacionalismo barato.

Barba, cabelo e bigode no Copacabana Palace Salon. Banho revitalizante no Copacabana Palace Spa. Vesti o meu terno e chapéus novos. Olhei pro elegante e obstinado detetive me encarando no espelho. O terno vermelho me caía mesmo muito bem. E bem a tempo. Um agente anunciou uma visita na ante-sala. Ou seria ante-quarto?

— E eu posso receber visita?

— O Capitão de Fragata Luiz Felipe Ferro está à sua espera. Legal, o terno.

Encontrei o Capitão Ferro bebendo uísque no bar do ante-quarto. O copo de cristal tradicional do Copa na mão direita e algo brilhava na mão esquerda. Algo vermelho.

Contas reluzentes pendiam do dedo indicador do oficial da Marinha conhecido por beber e matar demais na sua época. Estendeu a mão esquerda.

O coroa parecia um velho rico e amargurado. Trajes oficiais impecáveis. Medalhas. Cabelinho ralo de milico velho. Alto. Hálito altamente etílico. Olhos quase vesgos, quase dementes. Não achei que exigiria as honras de uma reverência adequada a um oficial superior reformado.

— O que é isto? — perguntei sem cumprimentá-lo.

— O colar de rubis vermelhos cubanos dela.

Ela? Aquilo soou e cheirou a caso de traição. Ele sentou ofegante. Contou a história. Ela estaria no hotel na quarta-feira de cinzas. Escreveu o nome dela e o número do quarto no verso de um cartão de visita qualquer.

Preencheu e assinou o cheque. Guardou o colar cubano no bolso direito de sua farda azul. Não... o colar não era cubano, cubanos eram os rubis. Guardei o cheque no bolso interno esquerdo do meu Caraceni vermelho.

Oficialmente, o primeiro cliente militar da minha carreira. Um oficial assassino aposentado. Bêbado. Corno. Apertei sua mão.


sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Sábado de sol

O Copacabana Palace comportava muito bem a segurança envolvida na minha proteção. Pro hotel, mesmo com todos os agentes brasileiros e americanos disparados pra lá e pra cá numa verdadeira operação de guerra, aquele dia não tinha nada de muito especial.

Eu não sou estrangeiro e isso podia ser estranho na rotina internacional do mais famoso cinco estrelas do Brasil. Pras centenas de funcionários, no entanto, aquele era só mais um sábado de sol.